Na rede, negócios de nicho crescem de forma mais acelerada e chamam atenção.
Por Adriana Cotias — De São Paulo
11/09/2023 05h03 · Atualizado há 7 meses
Na trama da consolidação das assessorias de investimentos independentes no Brasil, que desde junho podem admitir sócios capitalistas, a XP pretende ser protagonista. Segundo Bruno Ballista, executivo à frente da rede e do relacionamento com clientes, o plano é comprar participações em negócios selecionados, a exemplo do que se vê nos Estados Unidos, em que fundos de private equity têm adquirido fatias de intermediários dedicados à distribuição de produtos e serviços financeiros.
Os primeiros passos nessa direção já foram dados. Em maio, a XP anunciou a aquisição de parcela da SVN Investimentos, escritório de Maringá (PR), com R$ 20 bilhões na custódia da plataforma. Em agosto, selou acordo para assumir fatia da Ável, de Porto Alegre, com R$ 10 bilhões. Em comum, os dois negócios têm uma atuação especializada, com o primeiro sendo um nativo digital e o segundo ter esse lado e também um forte apelo para a regionalização.
“Acho que a sociedade capitalista tende a ser ampliada. No mercado americano existem empresas que atuam para adquirir participação e desenvolver assessorias e o nosso pensamento é adotar a mesma estratégia no Brasil, sendo a XP a principal vanguardista dessa iniciativa. Sempre fomos os principais ‘sponsors’. É uma tese muito óbvia. Por que não ser sócio dos nossos melhores escritórios?”, diz.
Até a edição da instrução 178 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em fevereiro, as assessorias de investimentos (os antigos agentes autônomos) só podiam se organizar como sociedades uniprofissionais, sem poder contratar pelo regime CLT ou admitir o sócio capitalista. A única forma de fazer um investimento era por meio de propostas para criar corretoras conjuntas, caminho que o BTG Pactual abriu e a XP respondeu.
A possibilidade de investir nos próprios escritórios não significa casar com os maiores, diz Ballista. “A gente quer o empreendedor competente, alinhado, uma empresa que gera resultado e cresce ao longo do tempo. Não adianta ser grande e não ter crescimento, a participação não se valoriza.” Por ora, não há nada no radar, mas o executivo diz ter agenda estratégica com os escritórios mensalmente. As conversas podem esquentar.
A XP tem a maior rede de assessores, tendo fechado o primeiro semestre com mais de 14 mil profissionais. O plano é chegar a 20 mil até 2024. Mas por que comprar parcelas de escritórios, cujos clientes, na prática, já têm custódia na XP? “Isso tem valor. Embora o cliente esteja na XP, a prestação de serviço é feita na ponta, ela é muito importante para que a gente continue o nosso processo de crescimento, desbancarização, regionalização e penetração”, diz Ballista.
O executivo diz notar uma tendência à especialização e tem fomentado esse tipo de iniciativa, já que são os negócios com crescimento mais acelerado. No digital, além de Ável e da SVN, ele cita a Faz Capital e a consultoria Clube do Valor. No private estão Guelt, Knox e Nau.
O crescimento em operações nichadas sucede investimentos feitos nos últimos anos na infraestrutura, em novas verticais e em adição de produtos. Veio o Banco XP, com cartões, conta digital, crédito, atendimento a empresas, além da oferta de ativos internacionais, seguros e previdência.
“Nos bancos, a gente sabia para quem perdia o dinheiro aplicado“
— Anselmo Vecchi Filho
Foi ao ter uma oferta mais parecida com a dos bancões que a XP criou capacidade para trazer profissionais especializados. “Se eu dissesse há cinco anos que a gente teria um escritório dedicado a atender o cliente pessoa jurídica, seria algo inviável.” Ele cita que um dos casos mais emblemáticos é o da K3, operação tocada por sócios que eram do corporate do Safra. Em pessoa jurídica, ainda há Nippur Finance e Santê, e, em renda variável Liberta e Guia da Bolsa.
“No universo de canais indiretos, a XP quer se posicionar como a plataforma do empreendedor do sistema financeiro”, continua Ballista. “O crescimento de qualquer plataforma é uma derivada do tamanho da força de distribuição. Essa é uma atividade personalíssima, precisa de um indivíduo prestando esse serviço, e quanto mais profissionais qualificados e capilarizados tiver, mais clientes vai acessar.”
No mercado de investimentos da pessoa física, a XP calcula ter 11% de participação, caindo a 8% quando se inclui empresas, conforme descreveu o CEO da XP, Thiago Maffra, na conferência do segundo trimestre. No cliente de alto patrimônio, tem entre 5% e 6%, e no miolo de alta renda, 20%. São as lacunas do topo e do varejão que busca incrementar o seu market share, já que a bola ainda está com os grandes bancos.
Foi com a chancela da XP para um escritório “puro sangue” dedicado a empresas que Alexandre Barone e Anselmo Vecchi Filho deixaram o corporate do Safra para abrir a K3 quatro anos atrás. A eles, se juntou Marcio Marques Paulo, que atuava como gerente geral do banco, para fazer a ponta com a pessoa física.
Hoje são R$ 2,5 bilhões sob assessoria.
Com 20 anos no mercado financeiro, Vecchi Filho diz que na transição de carreira viu as portas mais abertas do que imaginava para a placa XP. “Nos bancos, a gente sabia para quem perdia o dinheiro aplicado.” Barone, outro veterano, com 25 anos de experiência em grandes instituições, diz que o convite veio para cobrir uma lacuna no segmento de “middle market” que a XP queria fortalecer.
No bolo de ativos, 40% a 45% vem da pessoa jurídica, mas 70% dos clientes são empresários. E na K3, os executivos sabem falar a língua deles, diz Vecchi Filho. “Quando chega numa reunião, o empresário não quer falar de alocação, quer falar sobre o negócio dele, dos desafios pela frente, gosta de conversar sobre a sua história e a gente sabe falar de cada setor.”
Na XP ainda não dá para atender plenamente o cliente em crédito sem garantia, já que a plataforma privilegia operações com colateral de investimentos, o que pode ser feito com os valores que os empresários têm na custódia na casa. Mas dá para ser competitivo na oferta de seguro garantia, câmbio, derivativos e operações estruturadas para companhias menores.
A K3 tem contrato de exclusividade com a XP e, após a revisão regulatória abrir a possibilidade de ter sócios capitalistas, esse movimento deve ganhar força, diz Barone. “Estamos fazendo a lição de casa, crescendo de forma rentável. Estamos felizes com a marca e daqui para frente é natural partir para esse tipo de conversa.” Ele estima chegar a R$ 3,5 bilhões no ano que vem e em três anos atingir R$ 10 bilhões.
Criada há dois anos, a Knox Capital nasceu com um time de cinco executivos que saiu do private banking do Itaú. Depois, incorporou outro escritório com quatro profissionais também saídos do banco e, hoje, são 14 de lá. A estrutura conta com 30 pessoas e reúne cerca de R$ 3 bilhões sob assessoria, com tíquete médio de R$ 7 milhões, de quase 500 clientes, diz Bruno Rondelli, um dos sócios-fundadores. O plano é dobrar de tamanho a cada ano. Se considerar só o grupo de formação, eles detinham carteiras com R$ 20 bilhões.
“Muita gente pergunta se é possível atender com qualidade dentro de um escritório, e hoje a gente tem certeza que sim”, diz Rondelli. Para se posicionar como private banking, a maior dificuldade é ter pessoas qualificadas porque o cliente tem necessidades não só de gestão de investimentos, mas de planejamento patrimonial, sucessório e de ter pessoas para atender tanto na física quanto na jurídica, sob uma ótica familiar, local e offshore.
A Knox já conta com um braço para gestão discricionária por meio de uma participação cruzada com a Sumauma, fundada pelo ex-chefe de estratégia da corretora do Itaú Lucas Tambellini. A ideia é seguir complementando as áreas que fazem sentido para o perfil private, com serviços para pessoa jurídica e mercado de capitais, diz Rondelli. O escritório nasceu como exclusivo da XP e já há sondagens para ceder participação para a corretora, que tem uma opção de compra. “Mas sem pressa, vai acontecer se for bom para o cliente.”
Para o executivo, o tempo joga a favor das assessorias na atração do capital humano, porque poucos banqueiros sonham em ter o contrato CLT para sempre. O investidor, por seu lado, quer alguém que o atenda na totalidade, “odeia a estrutura de segmentação pessoa física e jurídica”, algo que atrapalha a evolução do relacionamento. “Cortar interlocutores tem valor para o cliente, ele não quer contar a história dele várias vezes.”
Com forte presença em redes sociais, o Clube do Valor nasceu em 2016 já com uma parceria com a XP para custódia de carteiras administradas da sua gestora, diz Bruno Strack, CEO e co-fundador da empresa. Sob o conceito de “wealth service”, a remuneração pelo serviço vem 100% do cliente, não há comissão por produtos, um modelo que tem ganhado os holofotes com instrução da CVM que vai exigir, a partir de janeiro, maior transparência de custos na cadeia de investimentos, especialmente no mundo das assessorias.
O negócio começou 2023 com R$ 750 milhões sob aconselhamento e gestão, e ao fim de agosto exibia R$ 1,4 bilhão. A estimativa é encerrar o ano com R$ 1,7 bilhão. “Foi um crescimento baseado em presença digital e estratégia sistemática de investimentos”, resume Strack. O canal no YouTube reúne mais de 1 milhão de inscritos e no Instagram são 156 mil seguidores. Apesar da sede em Porto Alegre (RS), atrai clientes de todos os Estados a partir de um conteúdo sem promessas mirabolantes de retorno. “O atendimento digital nos permite atender gente de todo o Brasil e até alguns que moram no exterior, mas que não fizeram saída definitiva do país.”
O investidor típico parte de R$ 500 mil, mas já há famílias, com R$ 1 milhão a R$ 5 milhões. São profissionais bem sucedidos como empresários, executivos, médicos, desenvolvedores. Com um perfil mais sofisticado chegando na base, o plano é diversificar a aquisição de clientes, atraindo banqueiros que fizeram carreira em private banking ou assessores de investimentos que se identifiquem com o modelo de consultoria e gestão.
Com esse desenho, não há possibilidade de ter vínculo exclusivo com a XP, mas a plataforma é a principal parceira. Até aqui não houve nenhum investidor externo. “O negócio é saudável, gera caixa e lucro, a gente não procura ativamente qualquer tipo de sociedade, mas sabe dessa possibilidade futura e está aberto a conversas.”